Você já parou para imaginar a quantos caminhos uma amizade pode nos conduzir? Quantos horizontes podem se abrir "diante" de um alguém que, mesmo a milhas e milhas de distância, não quer nada mais que o bem de um outro alguém? De uma pessoa que sequer se conhece pessoalmente e não se reconhece nada além da metria das palavras grafadas numa carta?
Em "Mary and Max" temos a expressão mais pura e sincera de uma amizade envolvendo uma australiana de oito anos de idade e um velho americano de 44. Esses dois personagens que, não por acaso, se encontram em faixas etárias de atores sociais que sofrem de uma ligeira invisibilidade, compartilham uma dor pungente: a solidão. Solidão que é retratada das formas mais tênues possíveis. Seja através de lágrimas que não se podem conter ou de uma peça íntima pendurada sozinha, abandonada ao vento que a balança no varal.
Em essência, Mary teria os pais, mas é como se não os tivesse já que se tratam de seres negligentes, orgulhosos e egoístas. Max, por sua vez, é totalmente só e para piorar a situação sofre de ataques de pânico com frequência, sem ter alguém que o pudesse dar suporte.Uma característica ousada da animação é fazer o uso de um narrador onisciente ao longo de toda a película. Este nos apresenta o cotidiano e os dilemas vividos por Mary e Max.
Esses dois mundos que guardam carcaterísticas singulares são colocados lado a lado através de uma correspondência remetida pela menina para o(a) americano(a) que o acaso escolhesse. A carta da pequena encontra as mãos daquele que passaria a ser seu maior confidente e amigo, Max.
Essa é uma animação baseada em fatos reais. Obviamente, temos acesso a um mundo tal como, de fato, se apresenta. É uma história tragi-cômica. Aqui temos assuntos latentes, complexos e profundos. O bullying, os transtornos psiquicos, a homossexualidade, o abandono e a rejeição são temáticas abordadas com uma sensibilidade que surpreende e pode levar qualquer um às lágrimas, fácil, fácil.
"Mary e Max" só é uma das tantas animações que confirmam que tal gênero não, necessariamente, tenha de dialogar, ser direcionado unicamente ao universo infantil (o que normalmente já o credenciaria como 'inferior' - uma injustiça sem precedentes). Certa vez li algo muito interessante e que traduz muito bem o que penso: "A animação é apenas um método empregado para contar uma história", nada mais que isso.
Esse verdadeiro presente cinematográfico é de responsabilidade do roteirista e diretor da obra, Adam Elliot. Ou melhor, nao seria uma dádiva da própria vida?. A animação foi feita com a utilização de massinhas, tal como "A Fuga das Galinhas", além da técnica empregada, necessariamente, o stop-motion que engloba um trabalho minucioso e, imagino, fatigante. A fotografia não poderia ter sido melhor! Bucólica, ela tem tudo a ver com a atmosfera do filme.
Os animais, os olhares e movimentos dos personagens, de modo geral, e o texto, em determinados momentos, guardam uma comicidade incrível. Isso nos leva à alternar sorrisos tímidos e até espalhafatosos a instantes de reflexões constrangedoras e melancólicas.
Com certeza você irá se identificar com algum dos personagens, pois eles traduzem sentimentos contra os quais é difícil lutar. Querendo ou não, temos nossos complexos, nossos traumas, problemas. E perceba: não seria mero detalhe a história transitar em dois países que se encontram nos extremos do planeta. A posição geográfica de Estados Unidos e Austrália, os personagens principais que são uma criança e um idoso, são alguns dos indícios de que os problemas ali apontados tem um quê de universalidade.
A animação entrou em cartaz na semana passada! Por certo muita coisa boa está por vir, mas em período de "safra podre"
* Recomendo: não deixem de assistir a esta fantástica animação! Digo sem ter medo de errar: para mim, por tudo que já tive a oportunidade de ver, "Mary e Max" é a melhor coisa do gênero já feita, em todos os tempos!
* A safra podre compreende os meses de março, abril e maio nos cinemas. Período em que as distribuidoras lançam os filmes que não puderam lançar no fim do ano anterior, seja por quais razões forem.
Texto de André Martins
Colunista do "Não é Só Glamour"
FOTOS: Reprodução
3 comentários:
Não sei o que é mais inspirador, seu texto ou a história do filme rs. Mary e Max definitivamente subiu pro topo da minha lista dos filmes que pretendo assistir :) tô adorando o blog naná!
André, seus textos estão cada vez melhores...
E, como disse a Denise, não sabemos o que é mais inspirador!
Quero muito assiti-lo agora também
:)
Pois é, não deixem a oportunidade passar, não! Corram para o cinema. Vocês chegarão à conclusão de que nunca valeu tanto a pena ter ido ao cinema!
Obrigado!
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